O que a gestão escolar precisa fazer para promover a aprendizagem entre pares - PORVIR
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Inovações em Educação

O que a gestão escolar precisa fazer para promover a aprendizagem entre pares

Em passagem pelo Brasil, Les Foltos, diretor de inovação educacional na Peer-Ed, empresa norte-americana de treinamento, fala sobre a relação colaborativa entre líderes e aponta como os gestores podem ampliar suas habilidades

Parceria com Isaac

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 30 de abril de 2024

Les Foltos acredita que o aprendizado entre professores e gestores escolares só acontece quando as equipes compartilham seus saberes. Esse, inclusive, é o nome da empresa onde atua como diretor de inovação educacional: Peer-Ed – Teachers Learn Better Together (Professores aprendem melhor juntos). 

Em sua empresa de treinamento, sediada na cidade de Seattle, em Washington (nos Estados Unidos), Les Foltos criou um programa focado em treinar equipes escolares que ajudam seus colegas a levar tecnologia às salas de aula. A Microsoft se associou à Peer-Ed, e o projeto foi implementado em 48 países. 

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O aprendizado entre pares e a crença nesse modelo de atuação vêm da prática: entre 1990 e 2001, o especialista trabalhou como diretor de tecnologia educacional das escolas públicas de Seattle. “Líderes que assumem o papel de especialistas correm o risco de convencer os professores de que suas práticas estão falidas ou precisam ser corrigidas. Esse seria o primeiro passo claro para destruir a confiança e a colaboração”, afirma. 

Les Foltos acaba de passar por São Paulo, como um dos principais convidados internacionais da Bett Brasil, reconhecida como a maior feira de inovação e educação da América Latina. Ele conversou com o Porvir sobre a relação colaborativa entre as lideranças escolares e suas equipes e as habilidades de comunicação para criar uma escola crítica e bem-sucedida. Confira:

Porvir – Como lideranças escolares bem-sucedidas constroem relacionamentos com os professores? Quais qualidades importantes são enfatizadas?

Arquivo pessoal

Les Foltos – Lideranças escolares bem-sucedidas começam enfatizando a importância da colaboração entre todos os educadores na escola, incluindo eles mesmos. Sabemos há anos que os professores dizem que aprendem melhor juntos. Pesquisas de Linda Darling-Hammond (acadêmica americana e professora emérita na Universidade de Stanford, conhecida por seu trabalho em políticas educacionais, formação de professores e reforma de sistemas educacionais), Michael Fullan (educador canadense, pesquisador e autor, conhecido por seu trabalho sobre mudanças educacionais e liderança escolar) e outros demonstram que a colaboração entre os educadores em uma escola é crucial para a melhoria sistêmica do aprendizado dos alunos.

Líderes de sucesso estabelecem a expectativa de que todos os educadores irão colaborar. Eles geralmente são explícitos sobre o fato de que cada educador possui diferentes conjuntos de habilidades e podem usar esses para ajudar todos a terem sucesso em atender às necessidades dos alunos. Depois, vão além da retórica e modelam o que uma colaboração efetiva parece. Em seguida, implementam processos e recursos para apoiar a criação de uma cultura de colaboração.

Porvir – Quais são os riscos que um líder assume ao se posicionar como um especialista perante os professores e a equipe escolar? Por que ouvir é importante?

Les Foltos – Formadores de pares com quem trabalhei em 48 países, incluindo muitos no Brasil, deixaram claro que você não terá muitos professores querendo colaborar se o responsável pelo programa assumir o papel de especialista. Como pesquisadores e professores bem-sucedidos, esses profissionais entendem que não crescemos e aprendemos sendo ditos o que fazer ou pensar. Líderes que assumem o papel de especialistas correm o risco de convencer os professores de que suas práticas estão falidas ou precisam ser corrigidas. Esse seria o primeiro passo claro para destruir a confiança e a colaboração.

Ouvir seria um primeiro passo claro para construir confiança entre os educadores na escola. E a confiança é crítica para encorajar os professores a assumirem riscos e mudarem sua prática. Líderes bem-sucedidos podem ouvir os professores discutirem os pontos fortes e fracos do tipo de aprendizagem que ocorre em sua escola. Eles não estão ouvindo para responder porque têm a resposta. Eles fazem isso para entender as necessidades e interesses dos professores; porque isso deixa os participantes saberem que suas ideias são importantes; para entender que tipo de apoio os professores precisam para mudar sua prática; e para manter o foco em quem fala e convencê-lo de que você está lá para ajudá-lo a ter sucesso.

Porvir – Você também escreveu para o Edutopia, site que gostamos muito, sobre como a colaboração entre pares é uma ferramenta poderosa para melhorar o ensino e a aprendizagem. Como os líderes escolares podem incentivar essa colaboração?

Les Foltos – Muitas lideranças escolares já disseram a seus professores que a colaboração é importante. Elas até podem ter estabelecido uma expectativa de que os educadores colaborem. Mas é necessário mais. Às vezes, pode ser necessário explicar como a colaboração se parece e seu propósito. É essencial que os líderes escolares modelem a colaboração. Como escrevi no artigo para o Edutopia, Dawn Trubakoff, diretora da escola trilíngue (inglês, espanhol e navajo, uma língua indígena) Puente de Hózhó Elementary School, no Arizona, reforça que os diretores devem participar como aprendizes junto aos professores. Por exemplo, ela acredita que, se o desenvolvimento profissional era importante para seus professores, ela também precisava estar lá, ouvindo, fazendo perguntas e aprendendo com os professores.

Lideranças escolares também devem garantir os processos e recursos essenciais para uma colaboração bem-sucedida. O tempo é o inimigo de quase qualquer mudança escolar. Simplesmente não há o suficiente. Mas os líderes escolares podem reutilizar o tempo, talvez o recurso mais importante para a colaboração. Dawn Trubakoff eliminou a discussão de questões administrativas em reuniões de equipe. Em vez disso, ela incentivou os professores a “Ousar Compartilhar”. Durante as reuniões de equipe, os professores compartilhavam ou falavam sobre atividades de aprendizado que estavam implementando, projetadas para atingir os objetivos da escola. Outros professores tinham oportunidades de perguntar sobre as atividades de aprendizagem em um ambiente amigável que encorajava os professores a aprender uns com os outros. Em outra escola com a qual trabalhei, as reuniões de equipe por ano ou área de conhecimento foram redefinidas. Os professores usavam esse tempo para criar atividades alinhadas com os objetivos da escola, que todos poderiam usar em suas salas de aula.

Outro recurso crítico para uma colaboração bem-sucedida é o desenvolvimento e a adoção de uma definição concreta e específica dos objetivos de aprendizagem que a escola espera ver em cada sala de aula.

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Porvir – Como isso pode acontecer?

Les Foltos – Pesquisadores educacionais líderes, como Michael Fullan, que citei anteriormente, e Richard Elmore (acadêmico no campo da educação, conhecido por seu trabalho sobre reforma educacional e liderança escolar. Ele foi professor na Harvard Graduate School of Education, onde se concentrou em melhorar a capacidade das escolas e sistemas escolares para apoiar o ensino e a aprendizagem), insistem que os dois pilares essenciais da mudança educacional sistêmica são um objetivo concreto e descritível para a aprendizagem e uma colaboração eficaz. 

Em outras palavras, a escola está adotando um objetivo comum para a aprendizagem. Por exemplo, a escola pode achar importante que o aprendizado envolva os alunos em uma aprendizagem ativa. Que os alunos achem o tema de aprendizado divertido e que isso incentive a criatividade deles. Ou que eles usem suas experiências fora da sala de aula para desenvolver um produto que tenha significado em sua comunidade. Esse objetivo é fundamental para orientar uma colaboração bem-sucedida. Além disso, essa norma para o aprendizado cria uma linguagem comum que os educadores adotam nas discussões sobre ensino e aprendizagem. E as lideranças escolares podem ajudar os professores a colaborar fornecendo mais recursos.

Porvir – Quais são esses recursos?

Les Foltos – O primeiro é desenvolver um entendimento da criação e uso de normas de colaboração. Algumas dessas normas, como começar e terminar reuniões no horário, honram o tempo comprometido com a colaboração. Outras, como discutir ideias, não pessoas, ou mostrar respeito pelas opiniões alheias, mantêm as conversas positivas e focadas na aprendizagem dos alunos. O segundo recurso é ajudar os professores a aprender e usar habilidades de comunicação, como escuta ativa, parafrasear, esclarecer perguntas e fazer perguntas investigativas. Esses pontos são essenciais para uma colaboração positiva e focada.

Por fim, lideranças escolares podem incentivar os professores a assumir riscos e cometer erros. Sem esse aval, poucos educadores são corajosos o suficiente para tentar uma inovação. Eles simplesmente precisam saber que terão apoio para esses esforços. Há mais uma coisa que os líderes escolares podem fazer. Eles podem incentivar os professores a aprender com as coisas que não dão certo.

Porvir – A partir de suas visitas a escolas ao redor do mundo, você poderia dar um exemplo dessa relação colaborativa entre liderança e professores?

Les Foltos – Trabalhei com uma escola de educação básica nos arredores de Melbourne, na Austrália, que tinha um corpo discente composto em grande parte por crianças que falavam idiomas diferentes do inglês e vinham de famílias economicamente desfavorecidas. O desempenho acadêmico era fraco. Há alguns anos, uma nova equipe de liderança havia chegado à escola. Desde os primeiros dias, eles estabeleceram a expectativa de que professores e administradores colaborariam. E rapidamente colocaram em prática recursos para fazer a colaboração funcionar.

Começaram capacitando sete professores e dois dos líderes escolares como formadores de pares. Esses foram o catalisador para construir a colaboração. Eles não apenas ajudaram os professores a tornar o aprendizado mais ativo e envolvente, mas também ensinaram outras habilidades importantes de comunicação e colaboração. Esses professores usaram o que aprenderam para colaborar com outros professores. Na prática, eles estavam construindo uma cultura de colaboração em toda a escola.

Com o tempo e de forma bastante informal, a escola desenvolveu vários atributos de uma cultura colaborativa. Eles incluem:

  • As necessidades dos estudantes continuarão a mudar;
  • Todos nós somos aprendizes e seremos por toda a vida;
  • Todos provavelmente precisarão de apoio para ajudar cada criança a alcançar seus objetivos;
  • Todos nós temos conjuntos de habilidades diferentes e podemos usá-las para ajudar os demais a ter sucesso.

À medida que a escola começou a utilizar visitas de observação às salas de aula para posterior debate de práticas e a formar comunidades de aprendizagem, eles integraram profissionais em cada uma dessas práticas. Os formadores poderiam trabalhar com os professores para ajudá-los a implementar o que aprenderam nas visitas ou em suas comunidades de aprendizagem. O coaching era tão difundido que, quando você perguntava aos professores se era necessário trabalhar com um formador, eles diziam que não era, mas os formadores eram tão eficazes que era inevitável.

Dentro de três anos, as notas dos testes de seus alunos aumentaram muito. É uma história de sucesso notável construída sobre o poder da colaboração. Não apenas entre os professores. A colaboração entre professores e líderes escolares era contínua e completamente natural. A cultura da escola moldava a maneira como todos os educadores trabalhavam juntos.

Les Foltos em palestra no TEDx.

Porvir – Nos seus artigos, você frequentemente escreve sobre a aprendizagem baseada em investigação. Quais são seus benefícios para os líderes escolares?

Les Foltos – Educadores estão constantemente perguntando como podemos preparar os alunos para o futuro. Poucos acreditam que a instrução didática tradicional seja a resposta. A aprendizagem baseada em investigação oferece mais promessas. Existem muitos tipos de aprendizagem baseada em investigação. Eu tenho uma forte preferência pela aprendizagem baseada em projetos.

Quando bem aplicada, ela envolve os alunos na resolução de problemas que têm significado em suas vidas. Enfatiza o pensamento crítico, a resolução de problemas do mundo real, habilidades de comunicação eficazes, criatividade, e geralmente é desenhada para que alunos trabalhem em equipe. Assim, ela enfatiza a colaboração. Os alunos não estão apenas consumindo informações; eles estão frequentemente criando conhecimento.

A aprendizagem baseada em projetos é a metodologia chave que usamos no Peer Coaching como o objetivo para melhorar o ensino e a aprendizagem. À medida que os educadores começaram avaliações formais das habilidades necessárias pelos alunos, a aprendizagem baseada em projetos se alinhou perfeitamente com cada um desses modelos, como habilidades para o século 21, preparação para o futuro e aprendizagem profunda.

Estudos em larga escala recentes de alunos do ensino fundamental e médio que frequentemente usam atividades de aprendizagem baseada em projetos solidificaram minhas crenças na aprendizagem baseada em investigação. Independentemente da demografia ou etnia, os alunos que participaram das atividades deste tipo superaram os alunos na mesma escola que aprenderam usando pedagogia tradicional.

Se os líderes escolares estão procurando uma pedagogia poderosa que ajudará a preparar os alunos para o futuro, seria sábio explorar a aprendizagem baseada em projetos ou metodologias de investigação semelhantes.

Porvir – Você está no comando do Peer-Ed, liderando a equipe que apoia 48 países na implementação do Peer Coaching. Em resumo, o que é essa metodologia? A que você atribui seu sucesso na implementação?

Les Foltos – O Peer Coaching é baseado na minha experiência trabalhando com professores nas escolas públicas de Seattle (EUA). Eles sempre me diziam que a forma mais eficaz de aprendizagem profissional vinha da colaboração com um colega; alguém que estava logo ali no corredor quando você precisava.

A metodologia do coaching se baseia na crença de que os treinadores não precisam ter a resposta para a pergunta de um professor. Uma das treinadoras mais bem-sucedidas me disse que ela poderia responder a todas as perguntas feitas por seus colegas. Mas ela não respondeu nenhuma. Em vez disso, ela fazia perguntas que os levavam a pensar mais profundamente sobre seus problemas e a encontrar suas próprias soluções. Os formadores não podem ser especialistas com a resposta pronta se quiserem construir a habilidade de seus colegas para melhorar o ensino e a aprendizagem.

Porvir – E como alcançar esse objetivo?

Les Foltos – Para alcançar esse objetivo, os treinadores precisam desenvolver e usar habilidades de colaboração e comunicação. Eles devem entender o objetivo de melhorar as atividades de aprendizagem e como redesenhar o aprendizado para alcançar esse objetivo. E eles devem saber como usar a tecnologia em sala de aula para habilitar e acelerar o aprendizado.

O coaching bem-sucedido também exige absolutamente que os treinadores trabalhem de perto com os líderes escolares para alinhar o coaching com os objetivos da escola e obter a adesão essencial para garantir que os formadores e os professores com quem trabalham tenham os recursos e o suporte necessários para o sucesso.

Os líderes escolares precisam ser o professor líder de sua escola. Mas eles não podem afetar mudanças em toda a escola sozinhos. Os treinadores podem ser o catalisador essencial para a melhoria em toda a escola. Isso é realmente coaching em resumo. Eu escrevi um livro inteiro sobre esse assunto, intitulado “Peer Coaching: Unlocking the Power of Collaboration” (“Formação Entre Pares: Desbloqueando o Poder da Colaboração). Abaixo, um resumo das ideias principais:

  • Incentivar e modelar a colaboração;
  • Ajudar outros educadores a desenvolver e usar habilidades de comunicação e colaboração;
  • Apoiar professores significa realmente aprender a fazer perguntas, aquelas que ajudam os professores a pensar profundamente sobre os problemas que enfrentam. Assim, ao encontrarem a resposta, eles se apropriam da solução; 
  • Trabalhe com seus professores para desenvolver um modelo concreto e descritível para aprendizagem, que será usado como seu objetivo para melhorar o ensino e a aprendizagem. 
  • Pergunte-se todos os dias quais recursos e estruturas você pode colocar em prática para ajudar a colaboração a ser bem-sucedida. Um desses recursos precisa ser o tempo. Seja criativo na busca de tempo para colaboração.

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aprendizagem colaborativa, competências para o século 21, gestão escolar

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